sexta-feira, 21 de março de 2025

JUSTIÇA CONDENA A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS A DEVOLVER DINHEIRO DE FIEL.


Um homem de 50 anos, morador da cidade de Olinda, no Grande Recife, trava uma disputa na Justiça contra  Igreja Universal do Reino de Deus depois de vender sua padaria e doar R$ 31,5 mil Reais à instituição religiosa em troca de "uma mudança positiva de vida". Após a doação, Manoel Rodrigues Filho (doador do dinheiro) alegou que ficou desempregado, terminou o casamento e contraiu dívida com o colégio de sua filha.

Áudios que estão anexados nos autos do processo mostram um pastor pressionando Manoel a doar o valor para a Igreja, em vez de destiná-lo à própria família. A doação foi feita em novembro de 2017.

No processo, que se arrasta desde 2019, Manoel, que atualmente trabalha como padeiro, pediu restituição do valor entregue e indenização por danos morais. Em janeiro de 2022, o juiz Carlos Neves da Francas Neto Júnior, da 2ª Vara Cível da Comarca de Olinda, deu sentença parcialmente favorável a ele. A Universal entrou com recurso, que foi negado nesta quinta-feira (20/3).

De acordo com a ação, o padeiro passou a frequentar a Igreja Universal localizada na Avenida Cruz Cabugá, em Santo Amaro, Centro do Recife, em março de 2017, Lá, conheceu o pastor Rodrigo Antonio, que o teria assediado a fazer a doação com a venda da padaria.

Segundo Manoel, o líder religioso afirmou que "se ele entregasse o dinheiro, iria ter uma vida completa, a mudança viria de imediato, as pessoas que estavam virando as costas para ele no momento difícil iriam ficar surpreendidas com a prosperidade". Rodrigo Antonio teria dito ainda que o fiel conseguiria casa e carros luxuosos, padaria própria e muito dinheiro.

Em um áudio que está anexado ao processo, o pastor orienta o padeiro a vender outros itens para doar à igreja. "Agora, é o Senhor pegar e preparar o seu sacrifício, esse valor de R$ 30 mil e tudo que vier na mão do Senhor. Se tiver mais coisa, o senhor pega e fala assim: 'vou vender, vou pegar esse dinheiro e botar num envelope", diz um trecho.

Outro áudio atribuído ao religioso mostra ele orientando Manoel a não repartir o dinheiro com a sua esposa, com a qual passava por um processo de separação, e sua filha. "Não toca naquilo que é sacrifício, seu Manoel. Se o Senhor tocar, sua vida não vai mudar (...) Pega o valor, tudo o que o senhor tem, põe no altar, no sacrifício, para Deus te abençoar", ele orienta.

O auto da ação diz que repassou R$ 10 mil em chegue e R$ 21,5 mil em espécie. A transação teria ocorrido no estacionamento da igreja.

"Eu fiquei numa dificuldade muito grande. Tive que colocar minha filha em uma escola pública porque não tinha mais condições de pagar a escola particular" conta Manoel. Após concluir que havia sido coagido, ele chegou a fazer um protesto, entrando na igreja em um dia de culto com a foto impressa de Rodrigo Antônio (o religioso).

"Mostrei a foto para os membros da igreja e disse que ele estava enrolando todo mundo, enganando as pessoas", lembra. "Eu não acho que ele era apenas um pastor ruim dessa igreja. Acho que não todos eles são instruídos a enganar as pessoas". 

Para a advogada de Manoel, Dr. Janaína Morais, os áudios comprovam que houve coação. "O áudio é bem incisivo na forma como ele (o pastor) fala. A meu ver, um pastor á para orientar o fiel, não é para ordenar" ela diz.

Manoel cogita reabrir o seu negócio caso a vitória na Justiça se confirme. Ele não voltou a frequentar templos religiosos desde o episódio. "A gente erra muitas vezes na vida, mas o pior erro que cometi na minha vida foi esse" diz, sobre a doação.

A defesa da Universal argumentou que não há provas do repasse do dinheiro em espécie e que a Igreja está amparada no exercício da liberdade de organização religiosa ao estimular a doação, não tendo havido coação. A igreja argumenta ainda que se trata de "flagrante arrependimento tardio" por parte de Manoel. 

Na sentença o juiz Carlos Neves destaca que o religioso sabia das condições de vida do padeiro e que ele tirava o sustento da família por meio da padaria.

"Sabedor, a toda evidência, de que o promovente ficaria na miséria, o pastor Rodrigo Antônio instigava o promovente a dar continuidade ao seu intento, a ponto de levá-lo a cabo contra a vontade de seus familiares", diz o juiz, afirmando que o líder religioso demonstrou vilania e falta de empatia.

Com relação à intervenção do Poder Judiciário na relação do devoto com sua igreja, o magistrado defendeu que Rodrigo Antônio excedeu o estímulo à doação, incorrendo em abuso de direito. "Quando esse mesmo líder religioso passa a incitar ou instigar um fiel específico a desfazer-se dos bens que possui, a ponto de ficar reduzido à miséria, para reverter a renda apurada em favor da igreja, sob a promessa de uma mudança miraculosa de vida ou de temor de castigo divino caso não o faça, podemos estar diante de um caso de abuso de direito", assinala.

O juiz afirma ainda também estar convencido, pelas conversas de WhatsApp, de que o pastor recebeu pelo menos R$ 30 mil. "Portanto, este valor deverá ser restituído ao autor, como reparação do ilícito", decide. Já o pedido de danos morais não foi concedido.

A Igreja Universal entrou com um apelação alegando cerceamento de defesa e negando a ocorrência de ato ilícito. A Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), de forma unânime, negou o pedido. Em seu voto, o desembargador Nalva Cristina B. Campello Santos declarou que a autoridade religiosa, ao invés de guiar espiritualmente o membro, o levou a uma situação de comprometimento econômico.

"As provas dos autos demonstram que as contribuições financeira não decorrem de uma escolha livre, mas de um processo de convencimento pautado em promessas infundadas e exploração de convencimento pautado em promessas infundadas e exploração da vulnerabilidade psicológica do fiel, de modo que o que se observa não é um mero exercício da fé, mas um vínculo de dependência que eliminou a capacidade real de escolha, submetendo-o a um sistema no qual sua espiritualidade tornou-se refém de exigências financeiras sucessivas", afirma a magistrada. A igreja ainda pode recorrer.

Em nota à imprensa, a Universal declarou que a Constituição Federal e o Código Civil têm normas claras que garantem a liberdade de pedir e fazer doações, protegendo de supostos "doadores arrependidos". A instituição afirma ainda que o autor da ação é uma pessoa esclarecida, apta e capaz de assumir suas próprias decisões, sendo conhecedor dos rituais litúrgicos e já tendo realizado ofertas voluntárias em outros momentos.

"Dito isso, a Igreja Universal do Reino de Deus reitera que, em um país laico, como o Brasil, é vedado qualquer tipo de intervenção do Estado - incluindo, do Poder Judiciário - na relação de um fiel com a sua igreja", acrescentou, destacando que não teve chance de produzir provas para contrapor o autor da ação e que, por isso, apelou ao tribunal. 

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