Áudios que estão anexados nos autos do processo mostram um pastor pressionando Manoel a doar o valor para a Igreja, em vez de destiná-lo à própria família. A doação foi feita em novembro de 2017.
No processo, que se arrasta desde 2019, Manoel, que atualmente trabalha como padeiro, pediu restituição do valor entregue e indenização por danos morais. Em janeiro de 2022, o juiz Carlos Neves da Francas Neto Júnior, da 2ª Vara Cível da Comarca de Olinda, deu sentença parcialmente favorável a ele. A Universal entrou com recurso, que foi negado nesta quinta-feira (20/3).
De acordo com a ação, o padeiro passou a frequentar a Igreja Universal localizada na Avenida Cruz Cabugá, em Santo Amaro, Centro do Recife, em março de 2017, Lá, conheceu o pastor Rodrigo Antonio, que o teria assediado a fazer a doação com a venda da padaria.
Segundo Manoel, o líder religioso afirmou que "se ele entregasse o dinheiro, iria ter uma vida completa, a mudança viria de imediato, as pessoas que estavam virando as costas para ele no momento difícil iriam ficar surpreendidas com a prosperidade". Rodrigo Antonio teria dito ainda que o fiel conseguiria casa e carros luxuosos, padaria própria e muito dinheiro.
Em um áudio que está anexado ao processo, o pastor orienta o padeiro a vender outros itens para doar à igreja. "Agora, é o Senhor pegar e preparar o seu sacrifício, esse valor de R$ 30 mil e tudo que vier na mão do Senhor. Se tiver mais coisa, o senhor pega e fala assim: 'vou vender, vou pegar esse dinheiro e botar num envelope", diz um trecho.
Outro áudio atribuído ao religioso mostra ele orientando Manoel a não repartir o dinheiro com a sua esposa, com a qual passava por um processo de separação, e sua filha. "Não toca naquilo que é sacrifício, seu Manoel. Se o Senhor tocar, sua vida não vai mudar (...) Pega o valor, tudo o que o senhor tem, põe no altar, no sacrifício, para Deus te abençoar", ele orienta.
O auto da ação diz que repassou R$ 10 mil em chegue e R$ 21,5 mil em espécie. A transação teria ocorrido no estacionamento da igreja.
"Eu fiquei numa dificuldade muito grande. Tive que colocar minha filha em uma escola pública porque não tinha mais condições de pagar a escola particular" conta Manoel. Após concluir que havia sido coagido, ele chegou a fazer um protesto, entrando na igreja em um dia de culto com a foto impressa de Rodrigo Antônio (o religioso).
"Mostrei a foto para os membros da igreja e disse que ele estava enrolando todo mundo, enganando as pessoas", lembra. "Eu não acho que ele era apenas um pastor ruim dessa igreja. Acho que não todos eles são instruídos a enganar as pessoas".
Para a advogada de Manoel, Dr. Janaína Morais, os áudios comprovam que houve coação. "O áudio é bem incisivo na forma como ele (o pastor) fala. A meu ver, um pastor á para orientar o fiel, não é para ordenar" ela diz.
Manoel cogita reabrir o seu negócio caso a vitória na Justiça se confirme. Ele não voltou a frequentar templos religiosos desde o episódio. "A gente erra muitas vezes na vida, mas o pior erro que cometi na minha vida foi esse" diz, sobre a doação.
A defesa da Universal argumentou que não há provas do repasse do dinheiro em espécie e que a Igreja está amparada no exercício da liberdade de organização religiosa ao estimular a doação, não tendo havido coação. A igreja argumenta ainda que se trata de "flagrante arrependimento tardio" por parte de Manoel.
Na sentença o juiz Carlos Neves destaca que o religioso sabia das condições de vida do padeiro e que ele tirava o sustento da família por meio da padaria.
"Sabedor, a toda evidência, de que o promovente ficaria na miséria, o pastor Rodrigo Antônio instigava o promovente a dar continuidade ao seu intento, a ponto de levá-lo a cabo contra a vontade de seus familiares", diz o juiz, afirmando que o líder religioso demonstrou vilania e falta de empatia.
Com relação à intervenção do Poder Judiciário na relação do devoto com sua igreja, o magistrado defendeu que Rodrigo Antônio excedeu o estímulo à doação, incorrendo em abuso de direito. "Quando esse mesmo líder religioso passa a incitar ou instigar um fiel específico a desfazer-se dos bens que possui, a ponto de ficar reduzido à miséria, para reverter a renda apurada em favor da igreja, sob a promessa de uma mudança miraculosa de vida ou de temor de castigo divino caso não o faça, podemos estar diante de um caso de abuso de direito", assinala.
O juiz afirma ainda também estar convencido, pelas conversas de WhatsApp, de que o pastor recebeu pelo menos R$ 30 mil. "Portanto, este valor deverá ser restituído ao autor, como reparação do ilícito", decide. Já o pedido de danos morais não foi concedido.
A Igreja Universal entrou com um apelação alegando cerceamento de defesa e negando a ocorrência de ato ilícito. A Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), de forma unânime, negou o pedido. Em seu voto, o desembargador Nalva Cristina B. Campello Santos declarou que a autoridade religiosa, ao invés de guiar espiritualmente o membro, o levou a uma situação de comprometimento econômico.
"As provas dos autos demonstram que as contribuições financeira não decorrem de uma escolha livre, mas de um processo de convencimento pautado em promessas infundadas e exploração de convencimento pautado em promessas infundadas e exploração da vulnerabilidade psicológica do fiel, de modo que o que se observa não é um mero exercício da fé, mas um vínculo de dependência que eliminou a capacidade real de escolha, submetendo-o a um sistema no qual sua espiritualidade tornou-se refém de exigências financeiras sucessivas", afirma a magistrada. A igreja ainda pode recorrer.
Em nota à imprensa, a Universal declarou que a Constituição Federal e o Código Civil têm normas claras que garantem a liberdade de pedir e fazer doações, protegendo de supostos "doadores arrependidos". A instituição afirma ainda que o autor da ação é uma pessoa esclarecida, apta e capaz de assumir suas próprias decisões, sendo conhecedor dos rituais litúrgicos e já tendo realizado ofertas voluntárias em outros momentos.
"Dito isso, a Igreja Universal do Reino de Deus reitera que, em um país laico, como o Brasil, é vedado qualquer tipo de intervenção do Estado - incluindo, do Poder Judiciário - na relação de um fiel com a sua igreja", acrescentou, destacando que não teve chance de produzir provas para contrapor o autor da ação e que, por isso, apelou ao tribunal.
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